Wednesday 2 February 2011

Remembrance

Ontem sonhei que era um motoboy, um entregador de comida chinesa 24h que tocava de hora em hora as campainhas da cidade.

Motoboy que pára em meio ao tráfego e, desmontando como dum touro bravo, abre o compartimento traseiro, tira 3 ou 4 caixinhas de dentro e enfia na boca o máximo de macarrão instantâneo e arroz que consegue

Charco e náusea.
         Num comer comer com as mãos, ai dor de parto sem destino.

As buzinas e xingamentos em volta são dos rostos burros, grosseiros da noite, dos gatunos famintos. Seu único rastro no mundo se encontra em suas mãos ensebadas, em seu coração regado a óleo, a shouyo. Mas de súbito, como uma cobra que após o bote cospe fora a casca do ovo que apanhou, ele cospe tudo fora, lança as caixinhas através do asfalto e arrebata o grito ferido que me despertou.


Acordo cedo. Um cansaço de 2000 anos. Acordo pensando que é assim o marasmo irremediável de ter algo por tempo demais. Não se deve abusar do calor alheio, acaba-se suando todas as energias, todas as magias.


A sensação logo passa. Meu sinal de vida mais fiel não é o pulso que me acompanha, é a fome. Uma ânsia por estar sempre de encontro, sempre a caminho. Está no ato de não fazer tudo hoje, de salvar o resto dos atos para depois, porque sou louca, porque acredito que o amanhã virá de encontro a mim. E virá.

 da noite ao dia


À chuva.


"Amor é futuro à vista". - Guimarães Rosa

Wednesday 24 November 2010

to write

Como, como pisar a calçada daqui em diante? como isso se dá? Poderia fazer como sempre faço; cuspir imagens, frase em inglês, achismos, poderia fazer como você e viver a dor de escrever sem poder confessar. Poderia dizer "o artista deve estar onde o mundo está", mas não sou Milton (aquele de Três Pontas), poderia escrever aquela de Camus, "o destino não é uma punição", mas quem sabe exista destino e ele seja irremediável e esteja traçado, delineado à caneta.

Passos hesitantes pelos tapetes... através dos tacos soltos, das calçadas desdentadas com suas pedraemoitinhas, até

reverter e repetir discursos, pois como era para Kundera é para mim: a felicidade é o desejo pela repetição.

Meu taurinismo auto-indulgente, sensual e palatal se engalfinha com as teclas durante as noites de chuvas gordas, enquanto você atravessa a cidade escura a pensar em mim.

Sendo assim, meu escorpianismo obscuro, místico, beligerante por vezes escreve.

Meu aquarianismo escreve no ar, redondo, tombalhante, sem volta.

Penso em continuar junto à beira onde pequenas inspirações poéticas decaem sobre mim, respingando palavras salgadas em meu rosto. Mas nunca me basto.

Oh, ventilador negador de sonos, pálido encolhimento do eu.

sou pássaro ruim, acabo lhe desesperando, causando saudades com meu voos repentinos, com minhas distâncias repentinas, com meus planos delirantes de embalsamar o mundo em mãos e soltar, largar tudo e fugir.

Empilhando estilhaços do futuro e ainda consigo sentir árvores fruindo, invadindo meus caminhos.

Escrever é a sede, a fome de não precisar mais viver.

Friday 19 November 2010

A heart that's beating in every page

Gosto de coisas ridículas como livros de citações, também gosto de peixes, gosto de qualquer coisa a ver com o mar, das estradas, do cheiro, das cores e luzes, gosto de árvores, plantas e florestas, gosto de livros novos e antigos, gosto de histórias folclóricas, de poesia macabra, ruínas de antigos impérios e coisas perdidas, gosto de pessoas difíceis, gosto de sangue, brigas, noites sujas e decadência, gosto de cigarros longos e bebidas baratas, eu gosto de você... quando abaixa a cabeça e não sabe mais o que fazer, quando cai e quebra em lascas de lembranças e solidão, quando diz não sentir mais nada há 2 anos, sabendo que sente, e gosto ainda mais quando volta e me circula, mas eu não reajo.

Você gosta de mim também, por isso reconhece os anseios, os olhares, as correntes nervosas, aquela esperança, aquele monstro que vem rondando, inflamando em nós.

Gosto que pulamos nesse rio, nesse lodo, vou sempre lembrar que eu tentei.

"Don’t be afraid anymore. Not of anyone. Not of anything. Nothing. Ever again. Listen to me: not ever again."
— Marguerite Duras

Tuesday 16 November 2010

This is right

Esta é a maneira cega de tentar entrar em contato com os fantasmas que me habitam; escrever cartas. Cada lasquinha de papel é a vítima em potencial que utilizo para comunicar às pessoas-anônimas-imagens que não sei reprimir. O que mais arde é me perder nos caminhos da prosa e ter que morrer diariamente após queimar o último cigarro, após calar a última urgência, após o hesitar da última voz, e perceber que não há como escapar de ter que ser feliz, de ter todo dia lugar cativo em seus planos, em suas noites de vadiagem e em seus dedos longos que me apertam com muito esmero. Parte de mim irá fugir para uma outra década onde não tenho que viver tanta juventude e a outra estará exatamente aqui.

Quem sabe de nós - que escrevemos e palpitamos apesar do abismo despencado no estômago-, quem precisa saber?

Escrever por não mais conseguir ser, escrever para rodopiar no caos e do caos ressurgir, escrever para mim e para ti, por mim e por ti.

Friday 5 November 2010

I want a god who stays dead

The plants are crawling back into the house with their terrible claws, maybe it's time to leave...

(A cada recomeço uma visão peregrina desbrava, só nunca sei como continuar a ideia, escapam-me resoluções. Cada vez que penso, pensamos, estar tudo acabado, os reencontros - motivados pelos mistérios cósmicos de do caos cuspir harmonia, de unir o inacabado ao plano circular de todas as forças - ressurgem numerosos e palavras mágicas brotam de nossas bocas como dentes novos.)

Sou desperta por um espasmo seu ao meu lado, mas como...

Nós, os pós-modernos costurando as estruturas umas nas outras hahahaha....

Desmontei-me, mas a brisa reconstrói...

Não vi o fim e não consigo viver o fim...

É devido lembrar aos senhores que há um grande desfalque de esquinas, túneis e luzes e faróis e lutas de gangues e rosas e quartéis e ar salgado nesta cidade de.....

Você, que inesperadamente tem mais saudades e receios do que eu...

Peles e pêlos encobrem feridas, trepadeiras recobrem a casa...

Maestro cada movimento insólito...

Tenha a decência de amar um deus morto, admitir-se filho de seu passado, todo ele amarrado a ti feito armadilha, atado às tuas costas, carregando teus rastros de lesma pelo mundo.

                     arrasta-te até a mesa, pobre covarde, criança corada criada como que única no mundo, cada garfada é uma lembrança, uma culpa, um certo nojo de si,

                                   alto mastigado desespero que lavado a café, à cachaça, à maré, maré, maré...

O que aconteceu comigo ontem, amanhã será contigo, não se pode negar cada volta da ciranda que vem e essas nossas mãos dadas apertadas úmidas dedos brancos alastrada de músculos repuxo de tendões até que a ciranda pára e somos jogados um de encontro ao outro na multidão de rostos e braços, então finalmente sorrimos, pois fomos treinados a sorrir quando temos medo...

As palavras anoitecem na calçada, não sei tomar partido e acreditar...

Ainda não sei terminar nem começar, nem dizer, mas tentativamente, me escorando pelas paredes, digo

Sim.

Sunday 31 October 2010

A flying message

- But so many people seem to want this very same future...


- Well, fine. We'll be a legion of mad crackers with pink hairdos and a bunch of sick cats to feed until the day we're found dead at the bottom of the stairs, our faces half chewed on, 3 days too late for anyone to care.


- You feed on misery.


- I feed on life.


***

Contudo e mais um pouco, não serei esquecida. Creio que sou chata demais para escapar à memória. Sou membra vitalícia de sua solidão, de suas decisões impulsivas, do frio que lhe faz nos dias em que não estou.

Esmago o último mês com a força das mãos. Esmago o último ano como uma maçã podre.


Ontem às 3, o gato se espreguiça no tapete da cozinha - dengoso, delgado. E você, querido, você quando foi beber de cair na calçada e caiu em mim do outro lado da galáxia... você se lembra?

Já nem sei mais. Não sei pedir.

A gente se encaixa em qualquer lugar. Nos reencontraremos, e para mim, o universo de meus sonhos é todo redondo e a existência segue os círculos misteriosos, tão surpreendente quanto a gota de chuva que atinge seus óculos e muda a visão.

E estive só. A solidão nos comprime no tempo, nos alastra no tempo, é o norte na floresta, uma gota cada vez mais distante, menor e menor entre as folhas e formações rochosas.

Tudo que me foi tirado eu cato dos lixos entulhados pela cidade, eu pego de volta (sim, ser não é ter e ter não é ser, mas eu quero os dois), tudo meu retorna como numa rajada de vento. O que há? Aprendi a acreditar.

Pois estou louca, não vê? Uma loucura visionária, com a habilidade de saber o curso das palavras, de não precisar transitar entre as decepções, pois a única pergunta dign que se pode ter em mãos é,

Por que não?

Saturday 30 October 2010

You can break all the rules

É difícil escrever agora que respiro de novo.


Sua memória de mim lhe atinge em sucessões ébrias, pois sabe que eu teria deixado os espaços mais suaves, e mesmo que tão receoso ainda, de repente se cansa de sua forjada liberdade - para alguém tão jovem, que não sabe se desapegar de si, nem de seus deuses imaginários, a liberdade torna-se uma bigorna- , assim de mansinho se esgueira em minha direção. Me procura pelas beiradas das cenas, dos dias, das falas dos outros e cada palavra minha, um soco, cada falta minha, uma noite mal dormida. Não é que eu seja algo vital, apenas entendo melhor do que a maioria.


Retiro de mim cada um como um contrato desfeito; os esparadrapos, as restos, os suores, a surdez, a solidão, o seu cheiro, o debater-se em cantos vazios. Agora retenho o que achei estar perdido, aquilo que eu sei que não preciso, mas é o que eu quero, pois até nesgas de luz fraca são melhores do que apodrecer na escuridão.

Sunday 24 October 2010

In plain sight

O som de sua própria voz quando longamente assim se alastra lhe agrada; é quase um horizonte. Ele disse poder enxergar o fim dos tempos e que havia ficado cego assim como os profetas ficam cegos e que não se importava por demais com as quedas ou com os hematomas agora recorrentes, de todo, jurou que pouco importava ser ignorado, vilipendiado ou não ter mais notícias do presente, porque possuía o caos universal dentro da barriga e seu umbigo era como um olho, mesmo que doente. Pois saiba que os profetas também mentem. Desesperadamente.


Ela jacta-se de caminhar pelo deserto adentro, mirando-se nos heróis que não existiram, ou dessa maneira faria se lhe calhasse o tempo, (re)clama que se o destino (destino, destino, desatino; anseio alcoolizado de ter para onde ir) permitisse, passaria um ano debaixo dessa chuva, pois de perto é bem mais certo do que viver aqui, disse ainda conseguir cortar a própria cabeça com um machado cego e fodam-se os pássaros que recorrem rasamente os céus, foda-se a calúnia que é escrever profecias, foda-se que cartas, chuvas e desertos são meramente os rastros da solidão. De barriga cheia é que não se vai longe.


Segue-se então, o nado latente dessas duas pessoas cruas tão desejosas de serem observadas como que invictas, intactas, indolores. O que possuem, além de limões bem cortados, além do conforto manso de nunca enfrentarem quem elas pensam que são e dos antigos rasgos profundos no peito, são suas mãos - que espatifam copos na pia, juntam-se aos olhos quando deles caem lágrimas, engasgam palavras, escrevem lembranças, soturnidades, culpas e repartições - , mãos que quando cá se reencontram, ah, abarcam um futuro em plena vista, mesmo que elas mesmo já não percebam.


Veja! A antiga sorte carregando-nos em seus braços, atenta e barulhenta feito um bebê.

Wednesday 20 October 2010

Dawn of our times

Fecha os olhos, solta uma risadinha, enfia o punho na manteiga e se pergunta, por que não hoje?

Afinal, vive-se hoje em um mundo de homens covardes, infantis, frios e de mulheres artificialmente poderosas, vive-se num mundo pidão, num mundo-criança-mimada-batendo-os-pés-no-chão-de-raiva, vive-se em um mundo onde o tédio é a gasolina da rotina, onde o amor é conveniente e prático e morto como nossa presente vida urbana - não que "a paz" do campo seja melhor - , onde há tanto profissionalismo, tanto pragmatismo, tanto dogmatismo nas artes que perdeu-se a possibilidade de ser inútil e belo. Ao mesmo tempo em que muito da arte se tornou inútil e belo por comodidade apenas, não por paixão.

Aceito que não sei, porque sei de tudo mesmo não entendendo nada. Não escrevo coisa com coisa, não filosofo o que for, me recuso a seguir as estruturas, porque não preciso, não quero fazer sentido, compreender o sentido ou viver em uma realidade extremada e completamente forjada a qual os aleijados emocionais se convenceram a chamar de vida. Questiono para viver humanamente, não para entender a vida.

Desejo apenas que seja bonito com o conceito de beleza que me cabe e que me é devido, pois sim desejo que os beijos inconsoláveis e as lágrimas de desculpa e de muita culpa e os leiçóis no pé da cama e o corpo-personagem-de-meus-cantos sobre o meu corpo e que a noite, as luzes, a chuva enlacem e desenlacem todos os dias daqui em diante, isso que eu não entendo, mas que é meu, eternamente meu.

Saturday 16 October 2010

Tango till you're sore

Olha mas que barriguinha amarela e o olhar!fixo no horizonte, em mim, ai ai ai, o que irá fazer, para onde esse desejo se/me atravessa? O cigarrar das cigarras corta a saudade ao meio, os pássaros não mais anunciam partidas ou chegadas, apenas rodopiam, sem frutos a bicar ou ninho a que voltar.


Você tropeça na escada, abaixa a cabeça e engole seco a culpa e a dor por ter fugido tão impulsivamente assim, pobre rapaz.


Olhe a tonteante lua, botãozinho q-quebrado no céu, com nossas mãos dadas, somos atirados de encontro um ao outro pela multidão.


Quanto o tempo já nos faz...


Estranho como ainda conseguimos falar aos milhares, podemos renascer, livres dos velhos desencantos, pois agora coroados de toques que brotam macios e ébrios, who are we to deny the heat?


O que há comigo, se pergunta. Por que não completo os textos? Os contos? As ideias? Para quê? Se tenho aqui as fotografias queridas, renovadas, tremidas por minhas mão úmidas que escapam e escorregando caem através de suas costas, suas pernas, seu ar.


Reverenciada seja a chuva que salpica as janelas, atravessa os dedos por entre meus cabelos e... não me beija com tanto esmero quanto você faz todo dia, ainda assim, mas que beijo!

Friday 1 October 2010

I'm going back east

A dança mais bonita que dancei foi com uma folha seca na piscina.

Não há cura para esse sol que pousei sobre sua cabeça cansada.

O seu coração palpita. É noite, noite, somos tão jovens...

A rosa branca é rosa.

(Cai caisim cai cálida branca do céu ao chão)

Perfume branco de branco-rosa envolve os meus mistérios.

As fotos na cabeceira, cartas por entregar, olhares encantados, mãos que deslizam lentas sobre minha pele febril, haverá resposta?

Um rosto colado ao meu, vontade de não ter que se despedir jamais, me a solidão, o antigo carro-chefe.

Dias, tantos, e a luz...

Um beijo junto ao peito e o vento que nos carrega para perto de nossos braços. Mais ávidos e imediatos que o medo que por vezes lhe tira a visão.

É no escuro que recebo o abraço mais querido, o aperto mais sentido e a vontade de me fazer universo, verso unido, completo.

O que fará comigo, folha seca rodopiando em volta de meu corpo, tão pequeno, tão pálido ainda?

O medo de não saber nadar na correnteza que criei em seus caminhos. Soltei-nos do envólucro da apatia, do lascado casulo da angústia do ser.

Ô, pessoa que conta mentiras a si própria para não me amar.

Pessoa que desperta quando eu desperto, passa mal quando estou mal, como uma sombra que copia essa coreografia de não mais viver o eco dos dias.

Palavras dispersas, perfumes dos mais certos, a tarde que nos oculta em seu santuário, e se há porto, se há mar, que uma jangada seja construída, que haja sobreviventes, pois precisam de nós.

Como é difícil escrever com esses braços em volta de mim, com essa falta de ar, essa fissura, beijo meu que rasgou-lhe a jugular, beijo teu que levou-me à tona.

Me dirá sim e estará curado.

"yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes." — James Joyce

Friday 24 September 2010

A night like this

Ah, sei que é difícil explicar como compreendo o seu medo, talvez por ser o mesmo que o meu.


É noite. Caminhamos a passos largos por entre ruelas escuras, viramos as esquinas, conhecemos cada calçda quebrada. Ora, a cidade é bela pois insignificante, esquecível, um palco sem cortinas na mata seca. Seus moradores, cada qual com sua fala, seu universo, nunca em harmonia com a cena seguinte, com os personagens que seguem os descampadosterravermelhacéuemchamassolidãolongelongelonge. Queria tanto que essa terra implodisse e decaísse em depressão.


Pisco em descompasso e repentinamente percebo ruas desasfaltadas em areia, gente de longas canelas, pé chato, descalço, cabeças cobertas por chapéus circulares brancos, e mãos, quantas delas, encharcadas pelos rios da vida, tanto desse pó e rastejantes galhos secos no trajeto até lá. Vejo uma realidade maravilhosa de poeira, arei e gente escura. Surge lá bem fundo na casca essa rodopiante maresia anunciando consigo o mais temeroso dos mares; de tempos em tempos, me vem à mente imagens da África, o terrível coração do mundo. De África vou e volto no embalo de memórias entre a vida que sonhei e de uma outra que não escolhi, vou e sempre volto a me situar nessa terra vermelha e na tontura seca de viver aqui.


Quando não estou sonhando, estou atada à terrível densidade de nossos apertos de mãos. Ou seguindo qualquer silogismo óbvio já que a música está tão alta que mal consigo discernir se é realmente música o que está cuspindo dos amplificadores, e percebo ainda além; o álcool toda vez abaixa a cor de seus olhos, rasga-lhe um sorriso no rosto sem alvo ou direção.


Cumpro o abominável ritual de faltar com as obrigações, desconversar e sabe-se lá onde é que a lua se escondeu? Me arrebata uma juventude, uma vontade de gritar, lhe bate um ciúme, uma vontade de me arrancar dali, para longe daquelas mãos e olhares estranhos, invasores.


Não somos gatunos da noite à toa, meu bem; desvairados, a cabeça cheia de luas, dizeres e contatos, eu com meu cigarro no canto da boca, cantiga africana nos dedos, hematomas desgastados; você com os seus humores febris, suas certezas, sua culpa, sua memória irredutível, seus arrependimentos,


... naquela dor de parto diário de se arrebentar para o mundo e se descobrir só, bem, só até eu chegar.


"Não venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha à mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar. " - Caio F.

Thursday 16 September 2010

Peasant ways


A árvore da vida, de última, pariu um terrível carneiro; sem pêlos, o mais puro cordão umbilical ensanguentado, sem visão ou remorso de viver.

Percebo sua incômoda presença em todos os cômodos, aqueles pequenos olhos enxergando um oblívio interior.



Não durmo desde o verão passado.



Arrasto os pés descalços pelo jardim, - já imagino as unhas encardidas de terra, impossíveis de limpar - , pelo jardim como quem caminha à forca, desviando dos morcegos, sendo louvada pelas cigarras, pelas pitangas, pela mangueira furada, pelos perdidos, carcomidos, jovens embrutecidos da seca. Esbarro em uma lima-da-pérsia e assim decido que a ira é o único sentimento que reconheço. Essa ira me faz desejar uma caldeira descomunal, uma terrível boca-do-diabo que destrua o carneiro, as limas, os morcegos, o inverno, a ácida mordida da solidão, minhas frases e fases desmontadas.


Ah, um salve a todos nós, os provincianos, juntamente com nossas deliciosas e insólitas supertições!

Thursday 9 September 2010

Soft shock

Acordo com o seu rosto inconsolável afundado no travesseiro.


Admito, tenho visto rostos à beça, minha parede mesma é cheia deles. Rostos tristes, pensativos, eufóricos, apaixonados, ansiosos com as contas à pagar, a poluição, o trágefo que irão enfrentar ao sair para buscar os filhos na escola, reprimindo epifanias, saciados, sádicos, dopados.


Não incomodam, penso devagar, e olha, tendo a pensar rápido em dias com noites como estas, então é bom se dar trégua e falar arrastado, sorrir desdesejosa e tracejar com a ponta dos dedos um rosto inconsolável na parede para depois tracejar com a macia língua um peito em constante palpitar à minha esquerda.


Que eu tenho razão, já sabia. Erro pouco agora que os dias tem me oferecido demais, não sobra tempo para errar. Conta mesmo é ficar aqui me espreguiçando, dedilhando no ar as melodias de ontem. Nada de me empoleirar e escrever uma conclusão bonita para essa história que nem está perto do fim ainda. Prefiro não abusar. Relato episódios futuros como as mãos precisas de uma cigana com as cartas na mesa. Ora, se acerto, apenas meus olhos não disfarçam o pequeno triunfo, como eu disse, é melhor não abusar. Ter; coisa mais agustiante, bovina, perene, suspensa no ar!


Agradeço por ter chegado até aqui sem qualquer ideia fixa do que é viver, do que é o encanto, do que é ser mulher, ser amada, e quando me pedem para justificar as palavras e os atos, digo logo, irrelevante, defina você, no ato.


Essas palavras, essas ações, são tontas e distraídas como aquele fio de água desenhado na grama ressecada. Prefiro não compreender, pois se tentasse, teria que tentar entender também o porquê de nada morrer entre nós, o porquê de conseguirmos driblar todos os desvios.


Toque a pele inteira à sua frente e ria da absurda necessidade alheia de nada saber apertar.

Wednesday 1 September 2010

I dreamt that I dwelt

Ô, menina sumida, menina atrasada, fazassinão, você trilhou meu corpo tantas vezes com a ponta de seus pequenos dedos, com a ponta de sua língua demorada, por que desistir agora, agora é o recomeço... para mim.


Encontram-se na sala, essas pessoas jovens, e todos fitam o quadro na parede. Cada um vê uma cor, traço, contorno ao seu modo, porque é assim que jovens em salas veem o mundo, só ela que quando olha para frente vê a si, ampliada, sem fronteiras, ela mesma, demais. Aqui está sua própria sombra; pisa firme à sua frente, e ela só dorme depois do galo cantar, seus pés descalços dentro d'água ficam lá parados enquanto o mar rasga-lhe os tornozelos.


Teria sido sempre assim?


Essa menina, tão ampliada, cortadora impiedosa de arestas, filha dos mares do sul, amante/inimiga, minha, minha, minha parasita, fungo que me inchou o peito? Pois não entendo se estou mais, se existo ainda, ela me parece tão cansada, revoltada, revoltante, apaixonante...


Houve um tempo em que seu rosto deu-me tédio; amplitude também cansa. Via os dias estáticos como caixas brancas iguais, enfileiradas sem fim, seu rosto adorável dentro de cada caixa a me exasperar. Não sei o que abortou a revolta e a vontade de dilacerar o futuro, mas quando dei por mim já estava aqui com essa febre: suando frio, numa porra de saudade irracional, esperando ver os seus cabelos negros, seu nariz vermelho, suas roupas monocromáticas, seu senso de humor irritante, sua demora arrastada angustiada contada partida... chegada.


Ai, menina que me atrasa, palpitar involuntário idiota, como se impregnou dentro de mim? Queria a vaga liberdade de gritar, "sou eu que dito, bebo, traio, vou e volto, sou eu que me revolto, não você", queria poder me negar. Esse eu, que no meio desejei o fim, agora sei que não há mais como lutar contra esse... algo-similar-àquela-antiga-rede, aquela que me prendeu uns anos atrás.


Do pensamento não se (es)vai.

Friday 27 August 2010

You're just skirting on the surface

Essa é a nossa diferença.



Sou densa, lenta, tolerante e paciência como os antigos, e você, ao contrário, julga compreender a fala do outro por ter pescado de soslaio o movimento da boca ao lado. Aquela saborosa fruta (e sabe-se que é uma fruta saborosa, pois alguém um dia teve a paciência de esperar o tempo maduro antes de entregá-la a você) ainda é verde, dura, ela pendula distraidamente no galho antes da estação... só você é aquele que por impulso à flecha ao chão e a rói até doer-lhe os dentes, pois o sabor é uma figura muito menor do que o ato da captura imediata.



Por isso, digo: Você nos antecipou, nos queimou na areia. Agora, reclama do gosto amargo, enquanto eu tomei o tempo de amaciar esses novos sentimentos que eventualmente você sentirá por mim.



Talvez o que me salve nessa dança prematura é que você sabe se renovar e me amar novamente, toda vez, cada dia mais.

Saturday 21 August 2010

Black flowers blossom

Sou a amante perfeita, e por isso, a amiga relapsa, mas há conserto. Se eu pudesse dizer que vivemos de algo, diria que vivemos de remendos, costuramos as falhas dos dias com mãos precisas e olhares atentos. E talvez por ser eu da terra, comunico-me com a vida muito bem através das mãos.



Toda náusea, toda vertigem é breve, menos eu, menos você, por mais voláteis que sejamos. Meu caro, o seu cansaço, a sua factualidade, a sua fixidez com esse plano astral, a sua noção de realidade, tudo isso me faz rir. Meu propósito, se é que tenho um, é entrar em sincronia com o universo, um universo qualquer, um universo no qual, com muito esforço, me propuz a acreditar que existe.



Eu sei, tolas palavras jorram delicadas e gentis em minha direção. Aceito. Acho que os outros também percebem, me olham incertos, quase me dizendo que o laço está perfeito, mas a Gab é tão difícil, melhor não dizer.



Reconheço que não nasci para a fleuma e o sol alegre e vazio, também faço pouco caso das noites fulminantes e suas luzes coloridas, mas esse sol me chama. Aceito. Não estar só talvez me apavore mais do que caminhar sozinha, mas acontece que realmente não estou mais só. Dói ter alguém, adaptar minha visão, meus dedos, mas aceito. Aceito o que os longos dias me oferecem, aceitos os beijos demorados, abraços hesitantes daquela pessoa inconsolável. Não sei o que significa, apenas percebo que me contradigo e faço pouco esforço para manter a linearidade desse blog com meus posts de opiniões opostas, sim, andei lendo, mas é porque as palavras, em especial, as palavras dos outros, tem pouco significado para mim, quem sabe o que dirão?



Com o vagaroso contato dos dedos, deslizo as mãos sobre a arriscada esperança daquele que parecia não acreditar ter mais no que tocar.



Peço aqui, perdão por fazer renascer em você a chama que quis com tanta força apagar.

Wednesday 18 August 2010

Things are now made of me

Se as motivações criam significado, há abrigo.

Ter demasiado apego à liberdade é que é estar preso.

O que os fantasmas de sua vida podem fazer que você não irá fazer consigo primeiro?

Teremos muito anos de calor e desejo entre nós.

Não há motivo para textos estruturados, desculpas, faces amargas; temos as luzes do dia, as luzes da noite, os sorrisos que desabrocham sem querer, bebidas esquisitas, fomes esquisitas, mãos quentes, mãos frias, mãos completas.

Acordo com uma puta sorte.

Monday 16 August 2010

Oh, my darling obsequious ghost

I could sing about the old ones.


but I won't.


É porque lemos uma porrada de dor, de indignação, de desprezo, de miséria. É porque estudamos filosofia, antropologia, história, caçamos blogs de música, é porque lemos Neruda. É porque ouvimos os sambinhas cansados, os darwaves macabros, é porque cantamos esse amor que temos medo de viver, enunciandos essas palavras que não compreendemos mais.

Se escrevemos cartas, falamos de saudade, alguns de nós nem têm duas décadas diante dos olhos, mas morrem de saudade, pedimos desculpas, esbarramos na multidão de nós mesmos.

Assim percebo quando começamos à tarde, porque a tarde se espreguiça arrogantemente em nossos braços. Observamos um ao outro, lentos, urdidamente distraídos. nossos grandes amores passados foram derrotados. Quando nos beijamos, esquecemos o furo que fizemos no mundo, as ruínas que pintam o plano de fundo dos dias dos outros. Não temos pátria, ideal, soldado ferido a que salvar. Nosso desejar e amar um ao outro, aquele com o rosto bem próximo ao nosso, é quase apocalíptico. Os números aumentam e nem conseguimos dissimular essa fissura inexplicável.

***

Kundera estava certo acerca da lentidão, mas a sua geração sabia caminhar, mesmo que fosse um caminho na merda. Por que a nossa se arrasta nessa lama, se afasta, desenterra o passado e faz ridículos esqueletos de castelinhos de areia toda vez perto demais da água, por que se continua com as mãos vazias?
Não sei o que há para tentar, para construir, que filhos teremos? Filhos de nós? Nós, esses cadáveres dançantes que empilham as ruas com seus sonhos?

Desprezo toda a minha geração.

Odeio as suas ambições medíocres, suas mulheres amargas, carentes, atrizes, seus homens egoístas e infantilizados, meninos montados em frases de homens mortos, homens podres e mortos, acima de todas as outras, odeio a gargalhada estridente perturbando as nossas noites, aquele desespero seco de quem nunca sangrou.

Não tenho orgulho de meus méritos acadêmicos ou de participar do frevo de bêbado que são as nossas instituições federais, com seus fósseis de livros, seus pensamentos datados, que forçam um bando de desgraçados a se prostrarem em fila indiana a cada duas horas, todos os dias. Só o que vi foram egos inchados, brados e gesticulações brutais, o giz descendo o quadro como uma navalha e ensinamentos que não tiram a minha cretina geração desse estado semi-cerrado.

***

Penso em meus amigos queridos, mortos ou vivos.

Digo aos vivos: não é a minha intenção pisotear ninguém, não é que eu não saiba amar ou retribuir, mas agora... agora morri, bem aqui, morri graciosamente debaixo deste sol e lhes deixo tontos. Ao final do dia, meu corpo morto jogará os livros no chão, inválidos,

 perdão, perdão,
        darei-lhe um beijo para a sangria estancar, precisarei de um café, dois, chorarei o silêncio que atira no escuro para atingir o próprio coração. Ouço Cartola tentar, "Deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí a procurar..."

Nós somos os mortos da noite, mas

sozinha ainda procuro a saída dessa festa escrota.

Wednesday 4 August 2010

Experience

Fuck you and your pain. Fuck me and my pain. fuck me in my pain.

Coloquei o primeiro cigarro na boca aos 8. Nem tossi. Decepcionante.

Aos 6, experimentei o salto fino da mãe, número 36, vermelho. Caí depois de 2 passos.

Quase me atropelaram. 6 anos. Quase quis ser atropelada. 15 anos.

Já tentei os óculos de todo mundo tentando ver o mundo de maneira melhor, menos turva, talvez.

Empilhei livros e carta desejadas sem saber por onde começar.

Chorei ao ler um conto em uma prova de português na terceira série. Como o tempo vai...

Vivi. Desejei a cadeira de dentista que vi à venda em uma loja, uma viagem para o fundo do mar, o cavalo marinho da galeria no centro, desejei morte por afogamento, perfumes caros, sorvete de morango escorrendo pelos cotovelos. Não consigo mais saber o porquê.

Caminhei longe querendo não encontrar.

Digging holes. Now, that takes a lifetime.

Algumas pessoas bebem água até vomitar, pensam que pedras vão lhes assassinar, preferem se jogar na frente de um caminhão a ficarem gordas, choram em filmes de comédia ou em propagandas da Polishop, tem medo de partículas de poeira dançando soltas no ar da manhã.

De que adiantar contar os números, agora que não param mais de aumentar?

Explicar o que há? Neeeeem, posso ser o osso selvagem que ainda teima em desmembrar o universo. Está tudo bem. 

Isso não é uma confissão, um conto, crônica, um pedido, é apenas o que me serve para viver aqui.

Brasília é mal iluminada, você sabia? Não, não preciso de gelo, ah, no chão está bom, olha, quero voltar, quero ter mais tempo para ensaiar. Dizem que não se ensaia fuga, mas porra

o que as pessoas sabem?