Saturday 31 July 2010

Let it happen

palavras, ha ha ha ha ha ha. nós, as pessoas caladas, fazemos odiosos escândalos pelos corredores, abrimos as portas bruscamente e elas rangem, relutam em nos permitir passagem. nós, as pessoas falantes, ouvimos músicas histéricas de madrugada, talvez para calarmos a boca do outro, para ignorar o fruto podre de nós mesmos, talvez para esconder que não há nada a ser dito. verbos, substantivos, adjetivos, olhares demorados. nós, as pessoas constantes, abrimos espaços, abrimos as pernas, andamos bem rápido com nossos passos trôpegos, abandonando cinzas, rastros, nós desbravamos as fronteiras das ruas, invadimos a noite como se invade uma puta viciada, virgem, e fazemos isso exclamando AMOR LIVRE (um ator que improvisa sentimentos quando a cena dá errado), sem qualquer remorso. nós, os inconstantes, escrevemos, acreditamos nessa loucura forjada que precisamos ter para não enlouquecer, acreditamos nas palavras complicadas, nas rimas, nos dedos que deslizam sobre o papel, nas divagações a respeito de um século que se perdeu. nós, as mulheres, amamos, pois não sabemos amar, a princesa da disney nos disse para esperarmos no bosque, caminhando e cantando em notas tão altas e incompreensíveis que nem o mais sagaz dos pássaros consegue alcançar, nossas mães queridas, louváveis, traídas no passado, abandonadas no futuro, com suas vozes esganiçadas de preocupação, nos dizem para aprendermos a nos respeitar, vagabundas não merecem ternura, a colunista da revista feminina nos disse para trairmos nossos amados, nos masturbarmos de luz acesa para o vizinho do prédio ao lado, comprar 3 gatos, viajar para a índia, tentando nos encontrar em meio aquela porrada de gente, rios poluídos, jóias por todo o corpo, como se já não estivéssemos em todo e qualquer lugar, fodam-se as mulheres que não entendem a violenta delicadeza do que é ser mulher, mas sei, deve ser lindo olhar um céu de sábado recortado por nuvens e vê-lo abrir-se e despencar, e por alguns meses, alguns anos, se permitir acreditar que há motivos. nós, os homens, não amamos, pois amamos demais, não sabemos porque amamos cuspir, esbarrar, quebrar copos, chorar, escapar, beijar pessoas sem rosto, sem gosto, sem retorno, não sabemos porque escrevemos já que nem somos lidos, não sabemos, como homens, nos levantar após cairmos em seu nome, em seu corpo tão sofrido, todas as nossas criações humanas, nossas penetrações urbanas, nossas alianças de compromissos que esquecemos na mesinha de cabeceira do motel, todas as festas estranhas que vamos para não dançar, só beber, não tocar em nada nem em ninguém, não conseguindo esquecer o ontem, mesmo quando fingimos não ser assim, nossas pilhas de livros e explicações vazias, nosso ciúme que se converte em úlcera, nosso martelo, lápis, giz, nossos ponteiros infinitos, tudo para não amar. pena, nós homens, mulheres, bichos aflitos, amamos de novo e de novo e de novo. Errado, certo, distorcido, ampliado. confesse o que quiser, ainda amará. não confesse nada, amará. perdemos amigos e amamos de novo. cada voz faz o coração palpitar, não há porque se debater, seu estômago se retorce, você irá se afogar. por que ela parece não se importar? por que ele quer? por que agora? porque não antes? estamos juntos apesar de tudo, apesar de todo mundo. lemos merda demais. não compreendemos. não pensamos nas revoltas. nas vadias sem volta. nos meninos que atropelamos na estrada. cada aperto de mão entre nós é um pacto. eu, homem, eu, bicho, eu nadando e nadando nunca me aproximando da areia. você me ama. oh, ciranda maldita. não vai nos matar.

Monday 26 July 2010

ser amada é assim: desabrocha em um olhar, e não é nada do que é ideal ou o que seria ideal há uns meses. O antigo dono agora lhe observa de volta, é quase alienígena pensar que houve retribuição no fim das contas, mas você não sairá ilesa dessa nova emoção, e sabe, agora é um pouco difícil, o novo se lembra de você de hora em hora, te aperta em abraços febris e é bom viver, talvez lhe ame, pois há aquela fome que percebe em seu olhar, em cada balançar, e esse é só o começo, mais anos virão. Você sabe, viverá, mesmo que com anos de retardo, the bliding lights of your youth.

Sunday 25 July 2010

Gardening

ou O Terrível Encontro Com O Demônio No Jardim Selvagem.

Passou a manhã e a tarde a ler em um colchão mijado no escritório. Nada mal. Nem se preocupou em espiar a luz do sol, os dias por aqui são todos iguais, nem um relampejo de reconhecimento ao se deparar com os ideais antigos soma ao cotidiano qualquer experiência nova.
Por volta das 18hs, no entanto, começou a ficar inquieta, até que o casaco começou a lhe pinicar, - ok ok tá bom, farei algo para distrair um pouco o cérebro/estômago - . Lembrou-se do jardim, sua aparência decrépita, suas cores pastéis, e quando abriu as cortinas, lá estava: se a morte há de arrastar-lhe para algum lugar que valha após o golpe final, é para esse palco infernal que lhe traz.
Cenário patético, pensou, ao observar o jardim mal podado. Folhas secas por toda parte, frutas podres mofando no chão. Adora decadência - o imenso desespero, a morte que ronda, o mundo à beira do abismo, aquela sensação de quase-vida - , mas seus pensamentos têm nadado lentos, e esses últimos dias, talvez milênios, trouxeram-lhe a velhice e a velhice trouxe-lhe nada. Ainda mais, nada dói e nada mata, nem o amor mata, ora... mas que vida estuprada de merda. Nesse prescrustar lembrou-se da avó, então, decidida, caminhou até o jardim e ligou a mangueira. Atravessou os templos do jardim, e lhe pareceu imenso de repente, como o fora quando era criança; anos onde tudo lhe parecia imenso e incompreensível. Pensou como era revigorante perceber que agora que possuia o mundo ao alcance das mãos, não o desejava. Há momentos como estes, esta perda de tempo de tentar salvar alguns abacateiros e um punhado de gramado ressecado.
A tarde flechou-se nisso. Deu passos trôpegos do aqui para o ali, cantou o que se prometeu não mais cantar, cansou, cansou, volta e meia a mangueira esguichou-lhe a cara. Sentiu-se infantil.
Passo a passo, o espaço inteiro, o universo inteiro tornou-se mais como um abominável esforço, mas como por ora era valente, forçou-se a ir em frente. Garota, quem sabe tenha finalmente se tornado um mártir ou Sísifo como outrora sonhou. Ah, pedra nossa de cada dia.

Por uns instantes, prostrou-se ao lado de uma pitangueira a fim de ruminar vagamente os últimos meses com suas decisões e arrependimentos inconcretos, até avistar:
De início, pensou estar adormecido ou ferido, mas quando subiu-lhe a coragem de esguichar um de seus membros e o viu desprender-se lentamente do corpo como uma pasta gosmenta, decidiu: morto. Não sabia ao certo o que era. Deitado naquela posição de desamparo, poderia ser qualquer coisa, qualquer um, seus pequenos olhos covardes espelhavam o vazio. Desmembrado, tronco inchado, fétido, caindo aos pedaços, como um frango apodrecendo na pia da cozinha, como um gambá do mato esquecido. Sim, exato, um gambá do mato.
Agachou-se ao seu lado um pouco hesitante, pois a morte sempre lhe pareceu um pouco improvável, algo como uma piadinha do destido para lhe fazer mais prudente, ou ao menos, para lhe forçar a cruzar a rua só depois de olhar para os dois lados; para a vida doer menos. Ponderou sobre a imagem à sua frente conseguir dar-lhe um enredo, tentou imaginar o que uma garota como ela deveria sentir ao se deparar com um saruê morto e podre em seu jardim, ah, já faz anos que tem que se ensinar a sentir e a reagir nos momentos certos, pois mesmo um pouco trabalhoso, sabe o quão trabalhoso é ser tachada de maluca.
Agachada estava, participando estava e reagir demonstrou-se um esforço enorme, seria melhor talvez levantar ainda que com dificuldade, dar alguns passos para trás (confusa e distraída), virar-se, deixar a mangueira ligada ensopando a grama seca e um chinelo no meio do caminho na volta à casa.
Loucura não era, mas precisava pensar, quem sabe beber um pouco de leite, acender um cigarro, lembrar-se de seus mortos queridos, encher os olhos d'água ao pensar como as flores haviam se tornado escassas, do mesmo modo que suas vozes morreram na memória.
Acha difícil afogar-se hoje com o tanto de amor que tem recebido.

Uma culpa bruta invade-lhe o peito, os pensamentos voam... pois é, garota, foi-se o tempo em que pôde desistir de estar e ser em algum gramado da vida.

Tuesday 20 July 2010

If I had a heart

"... and I know you have a heavy heart, I can feel it when we kiss..."


Aos que sofrem por amor, uma baforada de cigarro na cara.


Chego à noite em casa e esbarro em cada quina, cada móvel mal posicionado. Veja bem, era para eu me irritar, era para eu xingar alto em frente à pia da cozinha vazia e escura e odiar estar viva. Devia me sentir comprimida dentro do corpo, cobiçando correr alucinadamente para fora daqui, amargar uma certa náusea de estar e tentar tatear as antigas rotas de fuga.


Deito-me no colchão florido e sem lençol, ai preguiça, encosto a cabeça em dois travesseiros fedendo a cachorro molhando, ai marasmo, um cigarro entre os dedos, um livro amarelo sem qualquer atrativo na outra mão, mas espiando o teto sou arrematada por epifanias que tombam em mim como orgasmos múltiplos. Meus pés formigam. A perna esquerda treme. Derramo algumas cinza em meu casaco. Encontro-me sem ar. Rolo de um lado para o outro, equilibrando parcamente o cigarro entre o dedo indicador e o polegar... até descuidar e me estatelar no chão, caindo com as costas em cima do cinzeiro. Dou risadinhas pateticamente femininas.


Não sofro de amor...


Em mim, há amor, sim, indolor. Sou cada dia mais amada, tocada, observada, nem dá tempo de ficar atordoada quando vem e me devora no ato, mal sobro para as noites e já nem há espaço nesse quarto para sofrer e toda vez a luz faminta da manhã incide sobre a minha cabeça.


Não quero entender.


Fodam-se todas as definições, reflexões, idealizações. Resisto a todos os planos e discursos, não conseguiria responder, de qualquer maneira. Certamente, não com esse coração na boca, sussurrando músicas indecifráveis e os olhos cravados no céu. Estou desconexa como em meus sonhos, como Rhoda e também diferente dela.


Só porque não consigo juntar frases e ter um parágrafo ou juntar fatos e ter uma vida redonda, não quer dizer que eu vá fugir dela. Então, que minha vida urbana, meus textos acadêmicos, o amor idealizado e toda essa porrada de merda - que o mundo inventou para nos manter ocupados e cansados demais para ouvir a voz selvagem que se debate no peito - , que toda essa escrotice datada seja engavetada. Sejamos selvagens, sejamos amáveis, amados, lutemos em nome do absurdo da vida. Você não precisa entender se já consegue sentir.


Vê se pára com essa cretinice de guardar o universo inteiro dentro da porra de um limão, esse seu olhar de leve desespero no cair da tarde já realiza um universo maior do que todas as notas idiotas que esconde dentro dos bolsos.


... levanto e caminho pelo quarto até conseguir bater a cabeça violentamente contra a porta; sou uma louca varrida, uma psicótica perigosa.


Meus joelhos falham e escorrego porta abaixo. Abro um sorriso.


Estou viva.

Wednesday 14 July 2010

That's the way it is!!!

Lixo pela casa e eu penso, ah, que mal há de fazer, algumas moscas, será?, focinho de cachorro se entretendo com os restos abandonados, você resurge inesperado, porque sempre volta quando acendo uma vela, às vezes duas. Evito o eu como quem evita aquele sentimento de identidade, de compor um quadro explícito, organizado e compreensível. E você diz para si, os dias fecharam-me as portas, digo que há sempre uma janela, mesmo no último andar há saída, mesmo nos dias de sol, sei que entenderá. Prometo em confissões confessáveis: escreverei quando tiver tempo. Tempo de espírito. E não atravessarei mais as ruínas desse dia podre, dessa cidade morta vaga indiferente. Não é nada disso que gostaria de relatar, tinha outra coisa em mente, mas aqui está. Irei me redimir eventualmente, quando parar de ler, talvez de beber, lembrarei das ideias, das palavras, de seu rosto tão marcado, tão animado, serei sã. Sonhará comigo. Serei sã.


Decido que deve haver algo em mim, já que não morri, nem a hepatite me consumiu, ainda leio livros, não consigo resistir, devo estar viva, uma angústia, uma chegada nunca partida, ainda tento aprender Khmer, francês, japonês, italiano, olho-me no espelho e não choro, escrevo sobre o mesmo banal de antes, recuso-me a divagar sobre o mendigo e sua garrafa de conhaque brasileiro deitados no meio-fio, uma linha marrom escorrendo até o boeiro, a ferida no joelho enlameado do menino com a mão enfiada pra dentro da janela do carro... dando sinal de vida, anunciando sua existência, seu retorno maravilhoso, o tapete sujo de merda, as cãimbas do cão, devo dar-lhe uma banana? Bebi demais e as obrigações acumulam-se. Compra-se comida quando se tem fome, não é? Lava-se a calça quando há mancha de whisky, pega-se o ônibus certo na hora exata e vive-se completa, não é mesmo? Ou melhor, vive-se repleta.

Repleta até a goela.

Saturday 10 July 2010

Little by little

Até o passarinho morto voou algum dia, e aquele que acabou de nascer, ah, quem sabe quanto céu irá cortar...



I've got so much to plant before I go e se eu conheço a solidão, já é muito. Construo frases, qualquer língua serve, não tenho frescuras ou ufanismos, descrevo em minha mente todas ruas da cidade, mas não sou a contadora de histórias que fui quando mais nova. É o que há de mais frustrante aqui. Estou mergulhada em distrações, internalizações, especulações, dúvidas, e nesse caos, ainda teimo em tentar explicar o incomunicável, os anos perdidos, os anos inteiros que vivo cada vez que olho nos olhos dos outros. Teimo em sorrir as luzes do dia e sobrevoar as da noite, e mesmo agora sinto a luz aflita da tarde a queimar-me a nuca, - em um ardor sofrido de estar viva, em um desejo irreparavelmente, inexoravelmente desejado - e penso que, apesar desses tempos sombrios que vivemos, sobreviveremos a semana. Garanto, já é muito, vezemquando, faço mirrados pedidos, quase que todos desatentos e eles debulham-se de mim, falidos. Saiba, isso é revolta. Não quero mais a chance remota, expectativas de um futuro brilhante, de um amor que irá me salvar, mesmo que eu acredite no amor e em toda a sua capacidade transformadora/absolutora/aniquiladora, não quero a salvação, tampouco me esquecer em algum canto para o qual não sei retornar.



Ainda é difícil, o orgulho me engasga as palavras... Passo a reviver certos detalhes, enfim demonstrar algo além de mãos vazias e olhos presos no horizonte... Ontem, arranquei uma lima-da-pérsia do pé e a atirei no abacateiro ao longe, tão longe, lembrei da necessidade de velocidade da minha geração. Pensei naqueles dias, todos os dias, eternos e imutáveis agora, em que fiz planos para ter um caminho a que seguir, quando deveria ter percebido que seguir é o caminho. Lembrei de você correndo para atravessar a rua, quase que dançando um tango da morte por entre os carros, só para chegar ao outro lado mais rápido, meus parabéns, guri, ganhou três segundos de vida e o que fará com eles? Esperará até eu conseguir atravessar, e desculpa a demora, ando perdendo-me no som das águas internas que rebatem em mim e destroem o mundo em volta. Velocidade para quê? Você não parecer viver, só vive de correr. E eu? Dou vaga atenção àquela antiga frase borrada, escrita na primeira página do diário do adolescente melancólico, "Estou apenas procurando me encontrar", pois acredito piamente que as pessoas, afinal, procuram somente (imediatamente/letargicamente) ser encontradas.



E é assim, eu num tropeço, você num sobressalto, que nos encontramos de novo... no chão, nas linhas em branco, nos corredores da memória atenta, ahhhh, de tudo isso, confesso: há coisas que nem os disfarces podem ocultar.

Wednesday 7 July 2010

Ressaca da maré

Meu avô foi marinheiro. É sério, cruzou a costa do Brasil da cabeça aos pés, é possível que tenha uma família diferente em cada porto que parou e, certamente, ouviu e se comunicou em mais dialetos do que muito doutor em linguística. Conto isso, porque uma das imagens mais nítidas que tive de marinheiros na infância não foi a dos navios, das velas, dos containers ou de homens tatuados, curtidos do sol, cuspindo e bebendo, mas sim, de suas esposas. Ah, você sabe, já deve ter visto em histórias antigas, em livros do Jorge Amado, talvez em alguma pintura ou desenho animado: um final de tarde no porto, o horizonte engolindo um dantesco sol alaranjadado e uma moça prostrada no cais ou na beira de algum promontório, cabelos soltos ao vento, lágrimas nos olhos, uma preçe nos lábios e um lenço úmido apertado nas mãos, esperando esse alguém que lhe prometeu o mundo e se jogou no mar.
Imagino se minha avó foi uma delas, nem que tenha sido uma versão mais recatada delas. Quem sabe sentiu-se reprimida pelo escarcéu da gaivota e foi para casa degustar a própria dor e esbarrando as mãos nas cabeças das esculturas de santos que mantinha em cada canto da casa, arrastando as chinelas pelo corredor escuro, acabou na cozinha gemendo baixinho em frente ao fogão à lenha e pôs-se a fazer a janta para um prato só. Seja como for, não serei uma delas, não lhe esperarei no porto que guardo em mim, não espere oferendas à Iemanjá, velas em frente à estátua de São Nicolau, tampouco oferecerei noites em claro, um sorriso doído no canto da boca ou olhos opacos de tanto chorar.
Mas é claro que cuidarei de suas feridas, até as cicatrizadas, até as incuráveis, serei como uma enfermeira cega e minhas mãos como água quente a deslizar sobre seu corpo febril, serei muito bela, ágil e gentil, sorrirei lentamente para você nos dias em que chegar cambaleante, soluçante, tonteante, o chamarei de querido com um beijo, ouvirei suas lástimas sobre a falta de sentido do dia após dia após dia após século no mar. Somente não se esqueça, posso até querer menos ausência, incoerência, imensidão azul a me perturbar, mas por mais que eu queira um pouco mais, nada peço, nunca mais.

You run, rabbit, run....

Sunday 4 July 2010

Graceful in the morning light

Eu não sou bonita, falta-me aquela graça que percebo em tantas garotas. No entanto, tenho um rosto lindo e delicado pra você, porque você me ama. O amor é a machadada certa que suaviza todo e qualquer engano.


Quero que entenda, esses beijos vazios nessas noites vazias não irão lhe consolar. As quedas na realidade deixam apenas hematomas, uma certa náusea em ter que suportar o próprio corpo, e nenhum lábio, nem os que soletram as palavras certas, olham nos olhos como eu olho. Tente não se desligar de si. Tente não se entorpecer. Tente não se jogar de costas e partir a espinha de vez. Tente não voltar a hábitos de tempos remotos. Ser jovem, estar vivo, é tão mais do que isso.


Cantarei enquanto você se retorce na cama procurando um lugar para aportar, sonharei com longos braços retorcidos de árvores a me abraçar, quem disse que não se pode ser feliz nunca mais?

Saturday 3 July 2010

Your veins are blue

Sou bem possível e a aparente angústia que lê aqui é só a droga corrente que derrubo garganta abaixo para me manter sã. Estou bem acordada agora, e não, essa visão de que estou encalhada entre as pedras e de que tenho medo de mudar, não é real.

O menino que desce as escadas correndo e, tropeçando no cadarço solto, esfola o joelho e as palmas das mãos, os caminhos que se encontram e se descobrem quando se caminha para ir ao centro ou se dá um retorno na rua errada, o pão e circo que foi arrancado das pessoas que vagam pela rodoviária agora que os jogos acabaram, a segunda que era um domingo e desabrochou em terça, eu girando e girando na cadeira e prendendo a respiração para não vomitar, os olhos que nos faltam e sempre faltarão, a constatação de quão sem propósito é ler este livro, concluir este trabalho, mandar este texto, atender àquela ligação, tentar desviar o olhar, a vontade de desistir de tudo e começar de novo para desistir de tudo e não entender mais nada, a confortante constância (como sinto falta em minha vida) das ondas do mar, as linhas de veias interligadas sem fim à minha ideia de você, isso é real, tão real que, às vezes, encosto a testa na porta da geladeira, fecho os olhos, me abraço em um aperto febril e penso coisas aleatórias como "goiaba", "haizara", "these are the memorials and pledges of the vital hours of a lifetime", "tempo, tempo, tempo", e tento ser um pouco menos, tento não imaginar nada além.

Compreendo o cansaço a indecisão a fome dos homens a embriaguez redentora e isentora como abro as mãos abro os braço e ofereço um pouco de mim ao mundo. Acontece, rapazes, que chegou a hora de compreenderem que minhas veias também são azúis.

Friday 2 July 2010

What about what I need?

How will my story ever be told now?


One light goes off, then another and another and infinite and beyond, I don't think I will ever understand.


Pouco me importa agora, já tão tarde, já tão embrenhado em mim, o quão pouco poético, o quanto irei estragar minha forma de escrita, as espectativas dos outros, seja o que for que colocaram em um pedestal a meu respeito, o quão adolescenteburguesabêbadachatarepetitiva eu vá parecer. Posso dizer, já li sobre isso em um livro/blog/direct message/e-mail/carta/correio elegante, já ouvi falar sobre quando os outros resolvem com um banho quente, bebida destilada ou sexo com desconhecidos, eu não sou assim. Doe-me admitir tanta coisa e o 'eu não sou assim' é o que limita e doe mais. Não posso ser essa ideia que tem de mim, tá difícil, entende? Outra coisa, é perceber que ao tentar girar na roda que gira e gira até você vomitar da vida pra fora, descobrir algo que me inquieta durante as tardes e noites em que me encontro só; sacrifico a mim mesma muito mais do que os outros.


Você pode cansar, desistir, dançar e se enroscar em outras ou em em outros, ser patético, o que eu quero dizer, ah, que bem irá fazer?



Como é insuportável, você nem se importa, mas como é insuportável, ter que me desviar das horas até o momento em que o dia tropeça e se espatifa em noite para que enfim eu consiga me dilacerar cega, absolutamente estúpida, tentando viver no agora, no tudo, mas tendo que me condicionar a viver no nada, sem ter ao menos o meu coração me esperando na esquina, e por quê?



“Cruzo o rio, é já quase noite. Vejo esse poente como o desbotar do último sol. A voz antiga do Avô parece dizer-me: depois deste poente não haverá mais dia. E o gesto gasto de Mariano aponta o horizonte: ali onde se afunda o astro é o mpela djambo, o umbigo celeste. A cicatriz tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. No Avô Mariano confirmo: morto amado nunca mais pára de morrer.” Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra – Mia Couto