- Eu tenho muita pressa, tenho visões à noite, meus membros incham no esforço da fuga, sinto essa suspensão, essa coisa, esse monstro, falta-me ar, você mora aqui, tá, entende, sei que te perco em cada fase ruim, mas a pressa não me concede o sofrimento, olhe só os meus pés, veja-os de perto, são longos, quase fugidos do corpo e me doem quando paro ao seu lado, mesmo assim prometo...
- Ummm, sabe, eu não tenho essa pressa, não preciso de sua ligeireza, não sou jovem, não se engane ao se deparar com meus sonhos, e com essas quatro negações, digo: estou fora do tempo. Aquieto-me em frente a cada árvore, detenho-me para ouvir todos os sons, meus olhos atentos seguem as abelhas, seguem os pássaros dando suas piruetas, seus shows no ar. Enterro minhas mãos nas águas turbulentas e elas me lembram você. Fico rindo, petrificada nesse qualquer lugar e tudo, tudinho me lembra você; pássaros azúis me lembram você, pássaros amarelos me lembram você. Não sei bem como, quase não encontro, quase não te acho, reparo nas asas que têm nos pés... ah, às vezes surpreendo-me tentando lembrar o seu rosto. Você é quase uma miragem ao meio-dia.
- O quê? O que é, guria? Você quer que eu amance? Quer calma? LENTIDÃO? Olhe pra mim, nem estou aqui por inteiro, se é que existo! Seus passos atrapalham-me a direção, meu coração palpita toda vez que você pára. Tenho medo que morra assim em pé, um limoeiro apodrecido. Nunca irei esquecer o seu rosto, ele fica aqui, prostrado bem aqui, refletido no rosto de toda a alma miserável com a qual esbarro na rua.
- Então como vai ser? Você quer um final de filme clássico, daqueles com beijos e partidas e whiskys esquecidos no balção? Se é tão importante, finjo até correr, finjo até precisão, nem notará que estou, na verdade, ondulando lentamente ao seu lado...
- Não, não há como parar, nós somos infinitos e essa linha, culpa sua, não desenlaça mais. Nem minha lepidez ajudará.
- Quem mandou correr esses em círculos em volta de mim?
- Distraí-me por um momento. Mas diga; você não pensa no futuro?
- Não se lembra? Parece que nunca se lembra. Estou fora do tempo, essa exatidão, esse futuro para o qual você insiste em correr, é um peso só seu.
- Desculpa.
- Não agora, continue a correr, daqui a pouco chegarei lá, aí prometo...