Friday 24 September 2010

A night like this

Ah, sei que é difícil explicar como compreendo o seu medo, talvez por ser o mesmo que o meu.


É noite. Caminhamos a passos largos por entre ruelas escuras, viramos as esquinas, conhecemos cada calçda quebrada. Ora, a cidade é bela pois insignificante, esquecível, um palco sem cortinas na mata seca. Seus moradores, cada qual com sua fala, seu universo, nunca em harmonia com a cena seguinte, com os personagens que seguem os descampadosterravermelhacéuemchamassolidãolongelongelonge. Queria tanto que essa terra implodisse e decaísse em depressão.


Pisco em descompasso e repentinamente percebo ruas desasfaltadas em areia, gente de longas canelas, pé chato, descalço, cabeças cobertas por chapéus circulares brancos, e mãos, quantas delas, encharcadas pelos rios da vida, tanto desse pó e rastejantes galhos secos no trajeto até lá. Vejo uma realidade maravilhosa de poeira, arei e gente escura. Surge lá bem fundo na casca essa rodopiante maresia anunciando consigo o mais temeroso dos mares; de tempos em tempos, me vem à mente imagens da África, o terrível coração do mundo. De África vou e volto no embalo de memórias entre a vida que sonhei e de uma outra que não escolhi, vou e sempre volto a me situar nessa terra vermelha e na tontura seca de viver aqui.


Quando não estou sonhando, estou atada à terrível densidade de nossos apertos de mãos. Ou seguindo qualquer silogismo óbvio já que a música está tão alta que mal consigo discernir se é realmente música o que está cuspindo dos amplificadores, e percebo ainda além; o álcool toda vez abaixa a cor de seus olhos, rasga-lhe um sorriso no rosto sem alvo ou direção.


Cumpro o abominável ritual de faltar com as obrigações, desconversar e sabe-se lá onde é que a lua se escondeu? Me arrebata uma juventude, uma vontade de gritar, lhe bate um ciúme, uma vontade de me arrancar dali, para longe daquelas mãos e olhares estranhos, invasores.


Não somos gatunos da noite à toa, meu bem; desvairados, a cabeça cheia de luas, dizeres e contatos, eu com meu cigarro no canto da boca, cantiga africana nos dedos, hematomas desgastados; você com os seus humores febris, suas certezas, sua culpa, sua memória irredutível, seus arrependimentos,


... naquela dor de parto diário de se arrebentar para o mundo e se descobrir só, bem, só até eu chegar.


"Não venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha à mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar. " - Caio F.

Thursday 16 September 2010

Peasant ways


A árvore da vida, de última, pariu um terrível carneiro; sem pêlos, o mais puro cordão umbilical ensanguentado, sem visão ou remorso de viver.

Percebo sua incômoda presença em todos os cômodos, aqueles pequenos olhos enxergando um oblívio interior.



Não durmo desde o verão passado.



Arrasto os pés descalços pelo jardim, - já imagino as unhas encardidas de terra, impossíveis de limpar - , pelo jardim como quem caminha à forca, desviando dos morcegos, sendo louvada pelas cigarras, pelas pitangas, pela mangueira furada, pelos perdidos, carcomidos, jovens embrutecidos da seca. Esbarro em uma lima-da-pérsia e assim decido que a ira é o único sentimento que reconheço. Essa ira me faz desejar uma caldeira descomunal, uma terrível boca-do-diabo que destrua o carneiro, as limas, os morcegos, o inverno, a ácida mordida da solidão, minhas frases e fases desmontadas.


Ah, um salve a todos nós, os provincianos, juntamente com nossas deliciosas e insólitas supertições!

Thursday 9 September 2010

Soft shock

Acordo com o seu rosto inconsolável afundado no travesseiro.


Admito, tenho visto rostos à beça, minha parede mesma é cheia deles. Rostos tristes, pensativos, eufóricos, apaixonados, ansiosos com as contas à pagar, a poluição, o trágefo que irão enfrentar ao sair para buscar os filhos na escola, reprimindo epifanias, saciados, sádicos, dopados.


Não incomodam, penso devagar, e olha, tendo a pensar rápido em dias com noites como estas, então é bom se dar trégua e falar arrastado, sorrir desdesejosa e tracejar com a ponta dos dedos um rosto inconsolável na parede para depois tracejar com a macia língua um peito em constante palpitar à minha esquerda.


Que eu tenho razão, já sabia. Erro pouco agora que os dias tem me oferecido demais, não sobra tempo para errar. Conta mesmo é ficar aqui me espreguiçando, dedilhando no ar as melodias de ontem. Nada de me empoleirar e escrever uma conclusão bonita para essa história que nem está perto do fim ainda. Prefiro não abusar. Relato episódios futuros como as mãos precisas de uma cigana com as cartas na mesa. Ora, se acerto, apenas meus olhos não disfarçam o pequeno triunfo, como eu disse, é melhor não abusar. Ter; coisa mais agustiante, bovina, perene, suspensa no ar!


Agradeço por ter chegado até aqui sem qualquer ideia fixa do que é viver, do que é o encanto, do que é ser mulher, ser amada, e quando me pedem para justificar as palavras e os atos, digo logo, irrelevante, defina você, no ato.


Essas palavras, essas ações, são tontas e distraídas como aquele fio de água desenhado na grama ressecada. Prefiro não compreender, pois se tentasse, teria que tentar entender também o porquê de nada morrer entre nós, o porquê de conseguirmos driblar todos os desvios.


Toque a pele inteira à sua frente e ria da absurda necessidade alheia de nada saber apertar.

Wednesday 1 September 2010

I dreamt that I dwelt

Ô, menina sumida, menina atrasada, fazassinão, você trilhou meu corpo tantas vezes com a ponta de seus pequenos dedos, com a ponta de sua língua demorada, por que desistir agora, agora é o recomeço... para mim.


Encontram-se na sala, essas pessoas jovens, e todos fitam o quadro na parede. Cada um vê uma cor, traço, contorno ao seu modo, porque é assim que jovens em salas veem o mundo, só ela que quando olha para frente vê a si, ampliada, sem fronteiras, ela mesma, demais. Aqui está sua própria sombra; pisa firme à sua frente, e ela só dorme depois do galo cantar, seus pés descalços dentro d'água ficam lá parados enquanto o mar rasga-lhe os tornozelos.


Teria sido sempre assim?


Essa menina, tão ampliada, cortadora impiedosa de arestas, filha dos mares do sul, amante/inimiga, minha, minha, minha parasita, fungo que me inchou o peito? Pois não entendo se estou mais, se existo ainda, ela me parece tão cansada, revoltada, revoltante, apaixonante...


Houve um tempo em que seu rosto deu-me tédio; amplitude também cansa. Via os dias estáticos como caixas brancas iguais, enfileiradas sem fim, seu rosto adorável dentro de cada caixa a me exasperar. Não sei o que abortou a revolta e a vontade de dilacerar o futuro, mas quando dei por mim já estava aqui com essa febre: suando frio, numa porra de saudade irracional, esperando ver os seus cabelos negros, seu nariz vermelho, suas roupas monocromáticas, seu senso de humor irritante, sua demora arrastada angustiada contada partida... chegada.


Ai, menina que me atrasa, palpitar involuntário idiota, como se impregnou dentro de mim? Queria a vaga liberdade de gritar, "sou eu que dito, bebo, traio, vou e volto, sou eu que me revolto, não você", queria poder me negar. Esse eu, que no meio desejei o fim, agora sei que não há mais como lutar contra esse... algo-similar-àquela-antiga-rede, aquela que me prendeu uns anos atrás.


Do pensamento não se (es)vai.