Saturday 29 May 2010

The Purple Rose of Cairo

Na verdade, a cortina é um lençol, essa é a verdade.
É amarelo, cor do inferno, do inevitável. Quando a luz da manhã ali incide, a parede mancha, o chão desperta seu lado ocre, a cor dos olhos, das emoções, ai que tormenta estar ali, o rosto esquenta, mas não é feliz. Esta mancha, cusparada de âmbar, traz consigo tantos sons que é impossível evitar o nó na garganta quando eu, esticada na cama, ouço os talheres, a chaleira chiar, os galos, motores de carros, passos pela casa. Aperto os olhos com força e penso estar na rede, naquele final de tarde de janeiro, intoxicada pela lenta maresia de uma vida que já acabou.

Foi-se o tempo.


De hoje o que entendo é que tenho um jardim que não é meu, tenho esses frutos que apodrecem enquanto caminho tonta para longe. Tenho você que me quer tanto quando já nem sei viver em mim. O que acontece é que ele colocou as duas chaves no chaveiro tão perfeitamente, tão espontaneamente, que não podemos mais romper esta fome, esta dor, este círculo que é o nosso miserável destino, todo obsessivo e redondo feito um tumor moldado em ferro, moldado para nos ferrar.


Estou confusa, hipotérmica, ironicamente febril, rígida e psicótica, quanto a isto e aquilo e tudo e mas que porra é essa que me faz contar os minutos com as pontas dos dedos, dedilhando melodias tribais nas bordas da mesa? Mal diferencio quem é ele ou ele ou ele ou o amarelo que me invadiu esta manhã e me desmontou. O amor não é um câncer, não acredito que cresça; é espuma do mar, e nem os deuses, nem as oferendas partidas na praia podem mantê-lo intacto em mim.

"I just met a wonderful new man, he's fictional, but you can't have everything".

Wednesday 26 May 2010

Somebody's done for

Tell me anything you want, any old lie will do, call me back to you.


Você você


você você você você você você você você você você se arrastou para debaixo da tenda tentando levar um tiro, mas com nem um soco te premiaram e desde quando falar grosso contigo surte efeito? Enquanto você se engalfinha nesse tango de merda que vai te cansar, te dar bolhas no pé, cascos podres no peito, sonha com as quedas, aquelas antigas estradas, ruas que doem em você quando afina a luz do dia.

Ele ajeita a blusa abarrotada e se curva um pouco ao andar, tentando assim parecer mais baixo. Ingênuo, pouco sabe como a altura lhe traz as nuvens, nós aqui embaixo vivemos de destroços, ruínas de emoções, até os mais antigos escaravelhos sentem pena de nós.


Quem sabe me acho um dia, na esquina do amor ou em algum abismo além do fim do mundo.

Wednesday 12 May 2010

Being sad sucks

Subi ao topo das ruínas do dia para ver o pôr-do-sol, essa dor é tão nova e tão exótica que me repuxa a pele dos olhos de modo singular, embaça-me a visão e desde então aprendi a enxergar com outros olhos. Sempre volta à noite esse insandecido sonho, por isso aqui espero. Minha concordância verbal e nominal é um não concordar com o estado atual do meu coração. Tenho tido medo do que penso e de minhas previsões absurdas, não entendo bem porque meus pedidos vem fácil, olho para o fechar do céu e penso, "Hermes tem corrido mais rápido para comunicar o que alucino através do dia, talvez", talvez seja o universo harmonizando depois de tanto caos.


Fiz um novo amigo e isso me dá esperança, vai entender. Esse deve ser o jeito.


Não há nada de somente platônico entre nós.

Tuesday 4 May 2010

Me dá uma secura

Tenho alívio da literatura que leio, não a compreendo. Sobe-me uma dor na espinha quando vejo pessoas caçando em livrarias, livrarias são para mim boeiros chafurdados de dejetos disformes da mente humana. Ser um elefante seria a paz, ser um peixe até, afundar-me no invisível, no impassível, no que é por não saber não ser.


Meu passado é da cor branca da minha ignorância. Não que eu mantenha a minha ignorância como um troféu de consolação como faço com o meu passado, só admito que essa ignorância vem de um impulso de não entender a vivência e poder ser leve, mais do que a incapacidade de entender. A única coisa que desejo mais do que tudo é enfiar as unhas na carne, ferver o seu, o meu sangue e sentir e não há o que entender aí, não tem explicação. Acato a tudo que meu insano coração comanda, soluço no escuro, rasgo com os dentes as cortinas e exponho o mundo aos bastidores de meus sonhos.


Você quer sim e me dá uma secura.


O que é o para sempre senão uma vontade de fazer as coisas parecerem sólidas?



Não, meu bem, não adianta bancar o distante: lá vem o amor nos dilacerar de novo... - Caio Fernando Abreu