É amarelo, cor do inferno, do inevitável. Quando a luz da manhã ali incide, a parede mancha, o chão desperta seu lado ocre, a cor dos olhos, das emoções, ai que tormenta estar ali, o rosto esquenta, mas não é feliz. Esta mancha, cusparada de âmbar, traz consigo tantos sons que é impossível evitar o nó na garganta quando eu, esticada na cama, ouço os talheres, a chaleira chiar, os galos, motores de carros, passos pela casa. Aperto os olhos com força e penso estar na rede, naquele final de tarde de janeiro, intoxicada pela lenta maresia de uma vida que já acabou.
Foi-se o tempo.
De hoje o que entendo é que tenho um jardim que não é meu, tenho esses frutos que apodrecem enquanto caminho tonta para longe. Tenho você que me quer tanto quando já nem sei viver em mim. O que acontece é que ele colocou as duas chaves no chaveiro tão perfeitamente, tão espontaneamente, que não podemos mais romper esta fome, esta dor, este círculo que é o nosso miserável destino, todo obsessivo e redondo feito um tumor moldado em ferro, moldado para nos ferrar.
Estou confusa, hipotérmica, ironicamente febril, rígida e psicótica, quanto a isto e aquilo e tudo e mas que porra é essa que me faz contar os minutos com as pontas dos dedos, dedilhando melodias tribais nas bordas da mesa? Mal diferencio quem é ele ou ele ou ele ou o amarelo que me invadiu esta manhã e me desmontou. O amor não é um câncer, não acredito que cresça; é espuma do mar, e nem os deuses, nem as oferendas partidas na praia podem mantê-lo intacto em mim.
"I just met a wonderful new man, he's fictional, but you can't have everything".