Tuesday, 20 July 2010

If I had a heart

"... and I know you have a heavy heart, I can feel it when we kiss..."


Aos que sofrem por amor, uma baforada de cigarro na cara.


Chego à noite em casa e esbarro em cada quina, cada móvel mal posicionado. Veja bem, era para eu me irritar, era para eu xingar alto em frente à pia da cozinha vazia e escura e odiar estar viva. Devia me sentir comprimida dentro do corpo, cobiçando correr alucinadamente para fora daqui, amargar uma certa náusea de estar e tentar tatear as antigas rotas de fuga.


Deito-me no colchão florido e sem lençol, ai preguiça, encosto a cabeça em dois travesseiros fedendo a cachorro molhando, ai marasmo, um cigarro entre os dedos, um livro amarelo sem qualquer atrativo na outra mão, mas espiando o teto sou arrematada por epifanias que tombam em mim como orgasmos múltiplos. Meus pés formigam. A perna esquerda treme. Derramo algumas cinza em meu casaco. Encontro-me sem ar. Rolo de um lado para o outro, equilibrando parcamente o cigarro entre o dedo indicador e o polegar... até descuidar e me estatelar no chão, caindo com as costas em cima do cinzeiro. Dou risadinhas pateticamente femininas.


Não sofro de amor...


Em mim, há amor, sim, indolor. Sou cada dia mais amada, tocada, observada, nem dá tempo de ficar atordoada quando vem e me devora no ato, mal sobro para as noites e já nem há espaço nesse quarto para sofrer e toda vez a luz faminta da manhã incide sobre a minha cabeça.


Não quero entender.


Fodam-se todas as definições, reflexões, idealizações. Resisto a todos os planos e discursos, não conseguiria responder, de qualquer maneira. Certamente, não com esse coração na boca, sussurrando músicas indecifráveis e os olhos cravados no céu. Estou desconexa como em meus sonhos, como Rhoda e também diferente dela.


Só porque não consigo juntar frases e ter um parágrafo ou juntar fatos e ter uma vida redonda, não quer dizer que eu vá fugir dela. Então, que minha vida urbana, meus textos acadêmicos, o amor idealizado e toda essa porrada de merda - que o mundo inventou para nos manter ocupados e cansados demais para ouvir a voz selvagem que se debate no peito - , que toda essa escrotice datada seja engavetada. Sejamos selvagens, sejamos amáveis, amados, lutemos em nome do absurdo da vida. Você não precisa entender se já consegue sentir.


Vê se pára com essa cretinice de guardar o universo inteiro dentro da porra de um limão, esse seu olhar de leve desespero no cair da tarde já realiza um universo maior do que todas as notas idiotas que esconde dentro dos bolsos.


... levanto e caminho pelo quarto até conseguir bater a cabeça violentamente contra a porta; sou uma louca varrida, uma psicótica perigosa.


Meus joelhos falham e escorrego porta abaixo. Abro um sorriso.


Estou viva.

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