Saturday, 5 June 2010

Mother of all






Não é compreensível que esteja no masculino, o mar nunca foi um pai, o pai é aquele que só se vê no final da tarde, que lhe manda terminar a sopa, que lhe presenteia com palavras e distâncias, nada que se possa usar no mundo em que vivemos, que rispidamente lhe mandar parar de chorar enquanto ele mata o filhote de gambá que achou naquela gaveta em sua casinha de ferramentas.



A mãe te embala, te embalsa, lambe as suas feridas mais enraizadas até arder. Vi quando ela chorou, naquela selvagem maternidade de ser, ao ver sua filha encalhada na areia. Era imensa, essa filha, havia sido bem sanada, nutrida, embevecida durante anos, mas era obtusa feito um pepino do mar, o filho ingrato. Ficou enfeitiçada pela irreal solidez da terra e acabou sepultada lá. Sua mãe, tão fraca de chorar, tentou em vão usar suas fracas garrinhas de espuma para trazê-la de volta. Ai, mas como o tempo se faz irreversível, (en)torna até o mais esplendoroso em irreconhecível.



Quando jovem, não pensava em mim como filha também. Imaginava-me em outro corpo, nada prendia a minha atenção, sonhava em ser da superfície das coisas, pois era tudo tão mais claro. Não ser a encalhada, a baleia morta, o mexilhão cravado na pedra, água-viva boiando em oblívio.


Certo dia, uma gaivota riu e percebi o meu reflexo. Que reflexo, pergunta. Não pode-se fugir de si, saiba, tentei, morri e engatinhando voltei. Não se pode negar as águas irriquietas que brotam de você. Pesa-me admitir que faço parte de um universo que não criei, que não pedi, do qual jamais poderei escapar, mas aqui está: sou uma onda, aquela que se quebra na praia, e estalando, é puxada pelo cordão umbilical de volta pro mar.



Veja-me reconstruir, ter de reconstruir minha vida, dia em cima de dia, e talvez entenda. Você não está lendo a mesma pessoa de ontem, não adianta apontar na minha cara e me dizer que entende, que quer muito, que não quer nada, que não sabe o que querer, aqui está alguém que vive o absurdo de explodir em sua frente em nada! Fodam-se os seus delicados desejos juvenis, garotinhos, perguntem à gaivota sobre a leveza, a superfície. Aqui, ou você vai com a correnteza ou é devorado pelo mar.




"Is it the sea you hear in me?
Its dissatisfactions?
Or the voice of nothing, that was your madness?

Love is a shadow.
How you lie and cry after it." - Sylvia Plath

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